Em 1725, um casarão madrilenho abria suas portas e seu forno a lenha para que cortesãos e viajantes famintos assassem os pedaços de cordeiro ou javali que levavam em suas bagagens.
Três séculos depois, a casa e o forno continuam no mesmo lugar como um templo de gastronomia. A Casa Botín, o restaurante mais antigo do mundo, segundo o Guinness World Records, tem uma história tão interessante como seus pratos.
"Naquela época, não se podia servir comida porque açougueiros e comerciantes se opunham. Havia pensões onde se oferecia o serviço de forno. Os hóspedes traziam o que iam comer", disse à televisão inglesa BBC Carlos González, um dos herdeiros do restaurante.
Carlos González, um dos herdeiros do Casa Botín, o restaurante mais antigo do mundo, segundo o Guinness World Records
Por trás da fachada de ladrilhos se abre um labirinto de pequenas salas, onde certa vez diplomatas americanos e soviéticos dividiram um leitão em plena Guerra Fria. Os atores Marcelo Mastroiani e Catherine Deneuve também jantaram e brindaram no local alguns anos antes de se separarem.
González mostra um canto decorado por uma pintura exibindo a Madri medieval.
"Esta era a mesa preferida de Hemingway. Ele gostava de sentar de costas. Aqui, ocorre a cena final de seu primeiro romance,O Sol Nasce Sempre (Fiesta)", conta ele.
"Meu avô, que conversava muito com ele, tentou ensiná-lo a preparar uma paelha, mas eles chegaram à conclusão de que era melhor que ele seguisse com a literatura e meu avô, com as paelhas."
Bombardeios
Ainda não havia estourado a Guerra Civil espanhola e a rua central dos Cuchilleros, onde fica a casa de quatro andares, era cheia de cantinas e amoladres de facas, que deram o nome à rua.
Casa Botín em 1752.
Por toda parte havia adegas e caves centenárias que serviram de abrigo quando os bombardeios começaram.
"O restaurante não fechou, seguiu servindo comida", conta González.
Algumas das cavernas subterrâneas no local datam de 1580, muito antes de haver ali a casa.
"Sabemos que funcionava como taverna, mas não sabemos o nome. No começo do século 18 chegou a Madrid Jean Botín, um cozinheiro francês que decidiu montar uma pensão com forno no local", explica Arturo González, irmão de Carlos.
"As construções de mais de dois andares tinham que hospedar os cortesãos que chegavam a Madrid. Botín pagou por uma isenção e assim pode se dedicar exclusivamente à gastronomia", diz Carlos González.
Celebridades
A palavra restaurante só surgiria anos depois, na França, associada a lugares luxuosos e elitistas.
"Não entramos na discussão sobre se há outro restaurante mais antigo. Cumprimos as condições exigidas pelo Guinness World Records: o mesmo nome e o mesmo uso."
Os irmãos González fazem parte da quarta geração de proprietários. Seus avós, de Valência, chegaram à casa em 1930.
Desde então, as mesas da Casa Botín já viram passar todo tipo de celebridade: Jacqueline Kennedy, Charlton Heston, Ava Gardner, Michael Douglas, Pedro Almodóvar, os reis espanhóis e até Ricky Martin.
Muitos deles provaram as especialidades do restaurante: leitão e cordeiro assados.
"Eles são assados lentamente no forno à lenha, que é a alma do restaurante", conta Carlos González, de pé ao lado do mesmo forno onde Jean Botín assava as carnes na Madrid do século 18.
"É um prato típico da região de Segóvia. Em um dia vendemos entre 40 e 50 leitões e entre 15 e 20 cordeiros."
E o Botín não teve apenas clientes famosos, mas funcionários também. Segundo o Guinness, Francisco de Goya trabalhou ali lavando pratos antes de se tornar um pintor renomado.
Balcão de entrada do restaurante Casa Botín.
A casa também tem as marcas de momentos importantes na história da Espanha. Mostrando um cano entortado na fachada, Carlos González conta que aquilo foi resultado da Guerra Civil.
"Deixamos assim para lembrarmos. Uma bomba caiu na casa ao lado e a destruiu por completo. Por pouco, não estaríamos mais aqui."
Bibliografia:
Reportagem publicada no UOL em 30/08/2011 e as fotos são da BBC e da Casa Botín.